Trinta anos depois da coletânea que projetou o gênero local, uma outra leva de músicos, independente e conectada, vai além do rótulo com sons variados
A sopa de letrinhas ganhou outro tempero. Três décadas depois do lançamento pela RCA (hoje Sony) da coletânea “Rock grande do sul” — que projetou o rock gaúcho para todo o país, através de nomes como Engenheiros do Hawaii, DeFalla, Os Replicantes e TNT — um outro álbum, apropriadamente intitulado “Maravilhas da vida moderna”, do grupo Dingo Bells, de Porto Alegre, serve como exemplo da nova realidade musical do estado.
Independente, diversificado e conectado com o mundo ao seu redor, o trabalho reflete a postura e o diálogo de uma outra geração — Frida, Apanhador Só, Mar de Marte, Musa Híbrida, Thiago e Ian Ramil, entre outros — para a qual viver longe demais das capitais e o próprio rótulo “rock” já não fazem muita diferença.
— A geração dos anos 1980, que abriu portas importantíssimas, ganhou esse rótulo de rock gaúcho, que talvez seja limitador para a cena atual — afirma Ian Ramil, filho de Vitor Ramil e primo de Thiago, que lança no segundo semestre o sucessor do seu elogiado disco de estreia, homônimo, de 2014. — Hoje, o mundo é outro. Há uma abertura muito grande entre as novas bandas e artistas do Rio Grande do Sul, com uma troca muito grande. Ouvimos música do mundo todo. Ninguém tenta se limitar dentro de um estilo, todo mundo se sente livre para experimentar. E a internet é o nosso snorkel. É através dela que respiramos.
As experiências do Dingo Bells começaram em 2010, com o lançamento de um EP homônimo, passaram pela abertura de um show de Ringo Starr em sua cidade natal, em 2011, e chegaram ao Japão, onde o grupo tocou em 2013, ano em que lançou o single “Lobo do mar”, em parceria com Helio Flanders (Vanguart).
— Foi um período de aprendizado, de busca por uma linguagem própria — conta Rodrigo Fischmann, baterista e vocalista do grupo. — Todo mundo na banda é amigo de infância. Porto Alegre cresceu muito nos últimos anos, se tornou mais caótica do que as memórias que tínhamos quando éramos pequenos. E nós crescemos junto com a cidade, olhando para ela mas também para tudo ao nosso redor.
Foi justamente assim que foi concebido “Maravilhas da vida moderna”, já disponível nas plataformas digitais e que chega às lojas, como CD, em maio. As gravações do álbum — que tem participação de Felipe Zancanaro, guitarrista do Apanhador Só — foram divididas entre um sítio em Viamão, no interior do estado, e um estúdio em Porto Alegre. O resultado foram 11 bem polidas canções, com ecos que vão de Steely Dan ao Clube da Esquina.
— “Aja”, do Steely Dan, é um dos nossos discos preferidos. E Milton Nascimento, Lô Borges e o Clube da Esquina formam outra grande influência — explica Fischmann. — Acho que isso tudo ajuda a dar um caráter local e ao mesmo tempo universal à nossa música.
Já o Frida percorreu uma rota diferente para gravar seu homônimo álbum de estreia, lançado semana passada. Natural de Gravataí, o grupo fez as oito músicas do álbum num estúdio de Porto Alegre.
— Gostamos de Flaming Lips, Arcade Fire, Radiohead, Portugal The Man, Arnaldo Antunes e Caetano Veloso — destaca Sandro Silveira, cantor e guitarrista do grupo. — Não é o que levamos para o disco, mas é o que nos move.
Diversos nichos pelo estado
O lançamento de “Frida”, numa associação dos selos independentes The Southern Crown e Senhor F, comprova as teias que sustentam a atual cena musical do estado. O The Southern Crown, que faz parte de um centro cultural de Gravataí, é tocado por um coletivo que inclui músicos do Frida e do Mar de Marte, entre outros, enquanto o o Senhor F , de Porto Alegre, é parte do portal, liderado pelo jornalista Fernando Rosa, que promoveu recentemente o circuito Conexão RS Independente, reunindo novos talentos locais em shows e palestras pelo estado.
— Essa união dos selos reflete a descentralização da cena gaúcha. Há bandas boas por toda parte, todas convivendo e interagindo por objetivos comuns — diz o cantor do Frida.
Bom exemplo dessa descentralização é oferecido pelo trio instrumental Mar de Marte, de Erechim. Fortemente influenciado pelo americano Explosions In The Sky, o grupo, que já tem um EP digital homônimo, de 2011, lançou este mês o single “Mar de 1/2 litro”, de tonalidades psicodélicas, que precede seu primeiro álbum, previsto para o segundo semestre, pelo The Southern Crown.
— A cena dos anos 1980 deu muitos frutos — afirma Dharano, baterista do Mar de Marte. — Hoje temos diversos nichos pelo estado, fazendo parte de um mesmo universo.
Considerado o carro-chefe dessa nova turma, o Apanhador Só está finalizando a divulgação do álbum “Antes que tu conte outra” ,“Na sala de estar”, que vai passar por espaços alternativos de 20 cidades brasileiras, a partir de Porto Alegre e arredores, em julho, antes de começar a gravar seu novo disco .
— Há menos bares para novas bandas tocarem em Porto Alegre. Em reação, elas estão ocupando ruas, praças e qualquer espaço disponível, na capital ou além dela, para se apresentar — conta Alexandre Kumpinski, vocalista e guitarrista do Apanhador Só, parceiro de Ian Ramil em diversas músicas. — Há um novo patamar de envolvimento entre artistas e público no Rio Grande do Sul. E isso é ótimo.
Fonte : Infoglobo Comunicação e Participações S.A.
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