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terça-feira, 19 de agosto de 2014

ENTREVISTA COM NEGUINHO DA BEIJAFLOR

                                                                             

                                                             




Por Wellington Lopes
Luis Antônio Feliciano Marcondes, flamenguista “sadio” como ele mesmo se define, o canceriano Neguinho da Beija-Flor não abre mão do samba nem na hora de escolher o toque de seu celular. Durante a entrevista concedida ao OBatuque.com, o intérprete da escola de Nilópolis teve que atendê-lo por três vezes e pôde-se ouvir alguns dos sucessos do cantor no aparelho. Filho de Benedito Feliciano Marcondes e Benedita Carvalho Marcondes, Neguinho diz, entre risos, ter esquecido o ano de nascimento: só se lembra que foi em 29 de junho. O ex-bombeiro da Aeronáutica, com um sorriso no rosto e um cafezinho na mão, falou ao nosso site sobre sua trajetória, a detenção de Anísio Abraão David, presidente de Honra da Beija-Flor, o Carnaval 2008 e o lançamento de seu próximo DVD.
Como foi seu início no mundo do samba?

Neguinho - Quando eu saí da Aeronáutica, entrei logo para o bloco Leão de Iguaçu, hoje a escola de samba Leão de Nova Iguaçu, e fiquei quatro anos. Em 1975, fui para a Beija-Flor. Eu já frequentava a escola desde pequeno e entrei na Ala de Compositores, concorrendo com o samba "Sonhar com Rei dá Leão", no qual vim a ser o vencedor. Puxei na Avenida e a Beija-Flor ganhou seu primeiro campeonato. Aí veio esse casamento que deu certo.
Como surgiu o grito de guerra “Olha o Beija-Flor aí, gente!”?

Neguinho - Foi no carnaval de 77 para 78. Eu já tinha gravado um pagode em que eu gritava “Olha o camburão aí, gente!”. Aí, sem querer, eu lembrei desse refrão na hora de cantar o samba da Beija-Flor e gritei. A direção perguntou se ia ficar esse grito e eu disse: "Vai!" Fui muito criticado no ano, mas hoje todas as escola de samba do mundo fazem esse alusivo que criei.
Perguntamos ao Nêgo, noutro dia, e ele disse que o Neguinho era ele e você era o Nêgo, como foi isso? 

Neguinho - Lá em casa, o Nêgo sou eu. O meu irmão é tratado como Edinho. A estrutura dele é maior que a minha, ele é mais alto, então, o Nêgo virou Neguinho, que sou eu.
Quem é o anjo Ângela? 

Neguinho - A minha filha, que até canta essa música comigo no DVD. Essa música é de Serginho Meriti e Alexandre. Quando ela nasceu, essa música já estava estourando nas paradas de sucesso, há um ano e meio. Aí eu disse: "Vou botar o nome de Ângela na minha filha, em homenagem a esse grande sucesso." Minha ex-esposa queria Caroline. Então, ficou Ângela Caroline. Tanto é que até hoje eu a chamo de Ângela e ela, a mãe, de Caroline.
Quanto CDs você já gravou? 

Neguinho – Trinta, e um DVD, que vai ser relançado no dia 15 de novembro. Nós lançamos por uma distribuidora de São Paulo. Seis meses depois a distribuidora faliu. Então, nós assinamos contrato, agora, com outra gravadora, e esse DVD vai ser relançado para todo o Brasil. E dentro, de brinde, vem um CD.
Qual a composição que mais o marcou? 

Neguinho - “Malandro Também Chora”, “Domingo Eu Vou ao Maracanã”, "Deusa Da Passarela” e “Bem Melhor Que Você”.
 Você está na Beija-Flor desde o primeiro título da escola no Grupo Especial. Como você vê essa relação? 

Neguinho - Melhor do que muitos casamentos que eu já vi e presenciei irem por água abaixo... A Beija-Flor é a minha comida!
 Você participa da escolha do samba-enredo? 

Neguinho - Participo de tudo. Inclusive, o enredo do próximo ano fui eu quem trouxe para a Beija-Flor. Participo da escolha do samba, estou sempre no barracão... Embora eu não entenda nada, estou sempre bisbilhotando.
Em entrevista ao nosso site, Selminha Sorriso comentou que chama você de “brother” e você a chama de “sister”. Como é a família Beija-Flor? 

Neguinho - "My sister"... (risos) Muita gente, inclusive no exterior, e até no Brasil, me pergunta se ela é minha irmã, porque, embora ela seja muito mais bonita, a gente tem uma semelhança no sorriso, nos olhos... Essa amizade vem do samba. Conheci a Selminha ainda menina, começando no samba.
Como você vê a operação que culminou com a prisão do Anísio? 

Neguinho - Se eu não me engano, foi um delegado da Polícia Federal que levantou essa suspeita. Ele falou que tinha uma prova de que o Anísio comprara o resultado do carnaval. A escola ficou com a imagem denegrida e dois meses depois, quando ele foi chamado para mostrar a prova, falou que teve uma informação. Ter uma prova é uma coisa, ter uma informação é outra. Ele falou que o Anísio ameaçou de morte todos os jurados que não dessem nota 10. Mas oito jurados não nos deram 10... cadê os corpos? (risos) Isso vai servir para a Beija-Flor fazer de tudo para mostrar que não precisa comprar jurado para ganhar o carnaval... Vocês vão ver em 2008!
Essa suspeita incomoda? 

Neguinho - Incomodou bastante a comunidade, inclusive a mim. E eu? Não cantei nada na Avenida? O meu trabalho não valeu de nada? E os componentes? E o nosso sacrifício? Quando nós terminamos o desfile, todas as escolas de samba concorrentes foram coerentes com a opinião do mundo todo. Teve presidente de escola de samba dizendo: "Se o Anísio comprou o carnaval, jogou o dinheiro fora, porque realmente a Beija-Flor merecia ser campeã. (risos)"
O que foi feito para que a escola passasse a ser popular, já que era considerada luxuosa e até antissocial uns 20 anos atrás? 

Neguinho - Agora é que o mundo se conscientizou que a Beija-Flor não é uma escola rica. É a escola que menos fatura no carnaval durante os ensaios. O nosso ingresso na final do samba foi de R$ 5,00 para os cavalheiros e R$ 2,00 para as damas. Ninguém tem um preço igual ao nosso. É uma escola que é voltada para a comunidade.
Conta sobre a história da música das torcidas. 

Neguinho - Isso foi em 1980. Comecei a escrever esse samba porque eu tinha feito uma aposta com um compositor chamado Rubem Zé Mangueira. Eu pedi a ele uma vez para dar um samba que ele tinha feito para o Osvaldo Nunes gravar. Ele me deu uma resposta que eu não gostei: “Quando você fizer um samba, aí você dá para o Osvaldo Nunes gravar!”. Aí eu disse que ia fazer um samba que faria mais sucesso que o dele. Ele duvidou. Foi numa sexta-feira. Eu peguei um ônibus indo para casa e o trajeto durava uma hora e quarenta minutos. Na época, eu ainda fumava e fui escrevendo atrás do papel do cigarro. No domingo, eu cantei. E fez muito sucesso. Apesar de ser um flamenguista “sadio”, quem começou a divulgar foi um amigo meu para a torcida do Vasco... (risos)
E você vai ao Maracanã assistir ao Flamengo? 

Neguinho - Uma partida que valha a pena, eu vou. Mas com a tecnologia, eu compro os jogos e vejo em casa. É muito melhor... Uma massagem no pé, um cafezinho feito na hora, deitado... No Maracanã eu não consigo ver o jogo direito e nem a maioria dos gols. Toda vez, nesse momento, estou tirando foto, dando atenção a alguém que puxa papo... Aí, já era. (risos)
Como você encara a torcida do Vasco plagiando um samba de sua autoria? 

Neguinho - “A Criação do Mundo na Tradição Nagô”... Eles cantam “Iererê, ierê, ierê, ô ô ô ô, o Vasco é o time da virada...” Tá bom, tá bom... (risos) Com isso a torcida do Vasco fez com que eu colocasse esse samba no meu DVD, porque relembrou, né? E esse samba é um grande sucesso. Meu grande sonho é ver esse samba ser reeditado pela minha escola.
Qual o melhor samba da Beija-Flor? 

neguinho1001Neguinho - Eu sou igual a um pai que tem 33 filhos. Mas eu vou citar dois sambas: um, por ter me dado a oportunidade de dar continuidade à minha carreira, que é o “Sonhar com Rei dá Leão”: “Sonhar com filharada... é o coelhinho
Com gente teimosa, na cabeça dá burrinho
E com rapaz todo enfeitado
O resultado pessoal... É pavão ou é veado”. E o outro, por ser um samba que fez 30 anos e é o mais conhecido da Beija-Flor, que é esse que a torcida do Vasco canta:“Iererê, ierê, ierê, ô ô ô ô
Travam um duelo de amor
E surge a vida com seu esplendor”
Por que você optou em não compor mais para a Beija-Flor? 

Neguinho - Não tenho mais tempo. E eu não gosto de parceria. E se eu ganhar fica chato, porque eu sou o mais conhecido, amigo do Anísio... e também para dar oportunidades a outros Neguinhos com talento que querem ter uma oportunidade como eu tive.
Como você prepara sua voz para o Carnaval? 

Neguinho - Não fumo, não bebo, não cheiro, não tomo gelado, não fico em ar condicionado. Hoje não canto mais em qualquer lugar. Faço tratamento com Medicina Ortomolecular. Tenho uma responsabilidade muito grande com a voz, eu me preparo uma semana antes, vou ao médico, procuro não falar muito...
O que você acha desse troca-troca de sambistas? 
Neguinho - Eu não faria. E não faço. Teve um compositor, de uma determinada escola de samba do Grupo Especial, que uma vez disse que ia me levar para puxar um samba pra ele. Aí, ele me ofereceu até R$ 25 mil para cantar, e eu não aceitei. Mas agora não, todo mundo já sabe que meu coração é Beija-Flor, não tem mais jeito. Eu sou o único que não defende samba em outras escolas. Mas eu não sou contra, é uma graninha que os intérpretes ganham.
Algum desfile que emocione ao lembrar?

Neguinho - Quatro: “Sonhar com o Rei dá Leão", “A Criação do Mundo na Tradição Nagô”, “O Mundo é uma Bola” e “Ratos e Urubus... Larguem Minha Fantasia”.
Melhor intérprete? 

Neguinho - Eu gosto muito, muito, do meu irmão. Mas meus dois ídolos estão impossibilitados de cantar. Quisera Deus que eles tivessem a oportunidade de voltar a cantar, o Jamelão e o Aroldo Melodia.
Que conselho você deixaria para um intérprete que está começando?
 
Neguinho - Puxador de samba, na minha concepção, é igual a jogador de futebol. Intérprete na Avenida não combina com cigarro, drogas e gelado.

http://www.obatuque.com/

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