No último final de semana a comunidade da Flórida teve a oportunidade de rever o poeta do samba, Jorge Aragão. Antes do show, em entrevista, o sambista falou da sua carreira, do momento especial que tem vivido e da dificuldade em vir para o exterior. “Nossa agenda no Brasil é muito extensa e por isso não sobra tempo para fazer shows no exterior. Nesse ponto não sou muito diferente do Zeca Pagodinho. Não montei minha carreira para ser internacional; quando me convidam eu tento vir. Mas para mim é como se estivesse na esquina da minha casa”, responde Jorge quando questionado sobre o por que da preferência de alguns sambistas em só tocarem no Brasil. Nessa turnê ele passou pela Itália, Suíça, Alemanha, Portugal e Estados Unidos.
Horas antes do show, Jorge era a tranqüilidade em pessoa; sem alarde, sem estresse, com a calma própria dos sambistas. A única expectativa que alimentava era a de ver o público aproveitando seu show. “Se tiver 150 ou 10 mil pessoas, eu vou cair dentro. Eu já passei uma noite inteira cantando só para um casal. Isso é minha referência. E eles ficavam namorando mas quando eu parava, para fazer um break, eles sentiam e reclamavam. Eu era a trilha sonora do namoro deles. Isso eu não esqueço”, relembra, explicando o porque de não pensar muito se o show vai superlotar ou não.
No caso da Flórida, o show lotou. E nem poderia ser diferente. Ouvir as músicas de Jorge Aragão é uma oportunidade rara, já que ele é dono de dezenas de sucessos da MPB imortalizados em vozes de outros artistas como Sandra de Sá, Ney Matogrosso, Elza Soares, Beth Carvalho, e muitos outros.
Adeus ao ‘papel de pão’ - “Eu tenho sorte. Nunca tive que correr atrás de ninguém para gravar minhas músicas; eles vinham me procurar”, conta Jorge, que se realiza mais como compositor do que como cantor. Bem longe do tempo de compor em “papel de pão”, ele incorporou a tecnologia à sua vida e com seu palm top compõe a qualquer hora, em qualquer lugar. “Posso estar num baile de carnaval e fazer um bolero. Minha cabeça desliga quando estou compondo”, explicando porque não precisa se refugiar para criar.
Foi como compositor que viveu seu primeiro marco profissional. “Costumo dizer que há dois momentos mais marcantes na minha carreira. Um quando saí do Fundo de Quintal e passei por aquela fase de compositor, de ser gravado por todo mundo. E um dia acharam que eu poderia cantar. Nunca quis isso; quero mesmo é viver como compositor. Mas fui cantar e aconteceu o outro marco”, conta. Isso foi quando ultrapassou a marca de um milhão de discos vendidos, com seu CD “Jorge Aragão Ao Vivo”. “E eu que sempre tive preconceito em gravar ao vivo; achava que era falta de criatividade dos artistas. Mas fiz, tive muito prazer em fazer e foi um marco na minha carreira”, destaca.
Jorge, nascido e criado no reduto do samba, foi guitarrista de banda de baile e carrega todas essas informações na sua carreira. “Para mim tudo é samba. Eu já gravei Vinícius Cantuária, Gonzagão, Hildo; cantar Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda, para mim, é como cantar o mais puro samba”, diz, sem preconceito.
Partideiros do Cacique - Também é sem preconceito que ele tenta assimilar a influência dos novos pagodeiros no público jovem. “Esse movimento (do “pagode engomadinho”) ajudou a trazer uma faixa etária muito grande de jovens para conhecer o samba”, opina o sambista, que não via com bons olhos o sucesso dos novos pagodeiros. “Houve uma época em que o sambista quis ser vitrine e não essência; às vezes por conta da própria gravadora que fazia imposições. Todos tinham que usar a mesma roupa, pintar o cabelo de amarelo, dançar do mesmo jeito. Isso era ruim”, afirma, e completa: “O lado bom é que os jovens conheceram o samba. É engraçado porque eu acho que estou tocando para adultos, uma faixa etária mais velha, mas de repente vejo uma garotada; nos meus shows tem meninas gritando meu nome, chorando, coisa que eu não imaginava. E os garotos me tratam de igual para igual; eles chegam, me apontando, e falam: ‘E aí, doido? Tu é maluco?’ É a gíria deles; eles se identificam comigo. Isso é legal”.
Também é uma turma jovem que está voltando aos guetos do samba, revivendo o samba como os mestres Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Martinho da Vila, e outros. “Isto que está acontecendo é uma coisa nova; é o samba voltando aos guetos; voltando à resistência do samba. É a roda de samba voltando à ativa”, destaca, exemplificando com a turma dos Partideiros do Cacique, um grupo que reúne mais de 1.000 pessoas, todos os finais de semana, em sua “roda de samba” no bairro Cacique de Ramos.
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