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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Gadú revela gênese de show 'áspero e escuro' ao apresentar 'Guelã ao vivo'

                                       



Gravado em 11 de agosto deste ano de 2016, em apresentação de Maria Gadú  na Sala Adoniran Barbosa do Centro Cultural São Paulo (CCSP), o terceiro registro audiovisual de show da cantora e compositora  paulista perpetua o show Guelã, baseado no homônimo terceiro álbum de estúdio da artista e feito sob direção geral de Gadú e Lua Leça. Gadú também assina a direção musical e toca guitarra e surdo na banda formada pelos músicos Federico Puppi (cello), Lancaster Pinto (baixo) e Felipe Roseno (bateria e percussão). Guelã ao vivo (Slap / Taregué) chega ao mercado fonográfico neste mês de novembro em CD, em DVD e kit duplo com CD e DVD. A bela capa do DVD (acima) é diferente da capa do kit (abaixo). A própria Gadú assina o texto que apresenta Guelã ao vivo, registro de show caracterizado pela artista como "meio diferente, pesado, áspero, escuro". Com a palavra, Maria Gadú:

"Esse registro fecha um ciclo, uma etapa. Foi um passo importante pro caminho que quero traçar baseado no que posso aprender, degustar e assim externalizar em palavras e sons. Venho me questionando e colocando à prova todo o conhecimento adquirido ao longos dos meus 30 anos. Guelã é mutação. O registro serve pra explicitar o quanto poderei mudar hoje e amanhã.
 
Guelã ao vivo é composto pelo show, realizado em São Paulo, minha terra natal, um docsobre o processo criativo que intitulamos A terceira asa e um videoclipe da canção Trovoa. A ideia e concepção das formas e cores foram dirigidas por mim e Lua desde o início, quando ainda em nossa casa arquitetávamos esse voo. Lua veio, ao longo de quatro anos, registrando informalmente nosso dia a dia e resolvemos compilar essas imagens pra contar a história do álbum e do show.
 
O clipe de Trovoa é uma ideia que tive pra aproximar em imagem o que sinto pela canção, homenageando o amor, a musa, a complexidade e a cumplicidade.

O retorno de Saturno me trouxe um universo inteiro, onde pude e posso navegar sem medo. Ao longo de dois anos, preparei o corpo e a mente pra dar vida ao que chamo de "feliz nova era".

Um dia eu tinha que sair de casa, porque eles - Cesinha, Caneca, Doga, Maycon, Gastão: a banda com quem eu caminhei até aqui - são a minha casa sonora e com eles eu aprendi que podia ser musicista, eu quis ser musicista, tocar bem, transar as coisas. Não existe despedida. Eu estive viajando por aí, ouvindo música, fumando cigarrinho, bebendo vinho. Descobrindo a leveza do meu corpo, descobrindo o peso do meu corpo.

E a gente encontra e faz amigos pelo mundo e eles têm folclores diferentes do nosso, escutam, fazem outras músicas, enchem a gente de insegurança. Porque ser do mundo é ser plural. E há de não se ter amarras. Mesmo assim, eu os vejo carregando as suas flâmulas como quem escuta pra sempre a canção de ninar. Minha voz estava castigada por conta das biritas e dos fumos. Tudo bem, né? Eu só tinha vivido até aqui. Pelo menos eu carregava alguma coisa comigo.

Teve que rolar um silencio cármico depois de toda a maravilha do Bituca, do Gil, do Caetano, do Lenine, do Tony Bennett, da Alicia Keys, do Caneca, do Cesinha, do Gastão. Eu fugi no mundo, depois eu me aninhei no mato. Tava fudida, sem voz, sem ideia. A minha imagem, fora do meu corpo, era maior do que eu. Aí eu voltei lá, na minha canção de ninar. No mar da ilha. Parei de fumar e não enlouqueci.

Eu pintei meio Ganesha numa tela, comprei uma guitarra e meia dúzia de pedais. Troquei o fumo pelo livro e comecei a ler compulsivamente de tudo. Compulsivamente. As coisas vão ficando exuberantemente claras quando o silêncio rola. Tudo é bonito e feio, é vivo e morto. Aí já tava resolvido, eu faria um álbum meu. Tosco, bonito e feio. Real.

Minha casa virou um parque de diversões, literalmente. Ao mesmo tempo em que a gente se divertia inventando coisa e descobrindo sons, vinha medo, insegurança, angústia. tentando aprender a lidar com os novos brinquedos, saber das manhas, das jogadas. Foi bom. Eu e o Doga gastamos dias, tardes, noites ali. o Renan trazia café, a Lua fazia comida, a Giovana e as crianças traziam alegria, os amigos pintavam.

Passou pela minha cabeça chamar o álbum de Terceira asa. Era um rascunho de caminho, que as músicas não tinham nem nome ainda. Ficou nítido perceber como é que uma ideia progride, a primeira vez em que eu estava entendendo tudo isso. Silencia, absorve, amadurece, amanhece, lapida, apresenta e eterniza.

Quando chegou a hora do estúdio, eu chamei o Puppi pra compartilhar essa parte da elaboração. E a gente sempre junto fazendo as coisas com paixão à beça. O Puppi é meu brinde interurbano. Ele trouxe também o folclore dele, um som barroco. a gente queria soar mundo, a gente queria soar híbrido, a gente queria voar.

A gente chamou o Vidal, que já vinha me ilustrando por todos esses tempos, pra pilotar as nossas viagens. A gente se mudou para o estúdio, a gente dormia lá, tomava café, almoçava, jantava. Eu, Puppi, Doga, Tomaz e o Lanca. Trancados num mix de mundos.

Nessa época, minha voz tava ruim à beça ainda. Foi difícil e doeu muito gravar esse disco. Foi um desafio. Não fiquei satisfeita, não. Mas eu deixei como tava. Não tinha nenhum ímpeto mentiroso. Ia ficar do jeito que tivesse que ficar. E as coisas foram acontecendo, a gente foi construindo.

A lua trouxe toda a cara estética da ave. A ave nascia de um dicionário indígena que eu encontrei pelos livros que estava lendo. A ave chamava Guelã. A lua trouxe a ave pra mim. A gaivota. Lembrava minha canção e o livro que a mamãe leu pra mim quando era pequena, Fernão Capelo Gaivota. Eu queria ser ele, aí eu virei a Guelã.

Toda vez que escuto Vaga, eu lembro de como foi importante voltar pra minha cidade, pra são paulo. Respirar um gás carbônico. Você fica sozinho cheio de gente, né? Na solidão confortável. sempre.

Quando acabou, a gente queria mostrar pra os amigos quem a gente tinha se tornado. A gente estava tudo com cara de ave. O Federico, ave, pássaro. Eu, ave, pássaro.

Eu achava que as pessoas não iam gostar. Quando a gente começou a ensaiar, aí eu tive quase certeza de que as pessoas não iam gostar. E algumas não gostaram mesmo. Aí, eu fiquei feliz porque pelo menos eu acertei alguma coisa. Porque antes tinha uma doçura e depois ficou mais áspero, eu sinto assim.

Eu quis tudo no escuro como é quando eu fico sozinha. Então, o show foi meio diferente, pesado, áspero, escuro. Deve ser tipo voar à noite, né? Aí, nasceu o show, o álbum, eu nasci. Agora eu era a ave. A ave que queria tocar guitarra elétrica. Eu tinha medo, tinha nada e a gente foi.

Aí, você sai pelo mundo, pelo Brasil com seus amigos. Quase naqueles voos de imigração. E só se diverte, né? Porque tudo é motivo pra ficar junto, pra dar risada, pra chorar, pra ficar vivo. E tudo o que você imagina vai se moldando pra os lugares que você chega. A energia que rola no lugar, pra necessidade no ar do lugar. Essa parte é a mais legal. 

A gente tentou registrar esse show no festival de Montreux, mas não deu certo. As coisas não dão certo às vezes e isso é maravilhoso. Ia ser um dvd, chique e tudo. E assim foi, no dia 11 de agosto, onde tinha que ser, no Centro Cultural São Paulo. Todos gaivotas, numa caixa de pandora, onde a luz é sombra e a música ecoa.

E sigo aqui,
escolhendo meu próximo bicho".

Maria Gadú
(inverno de 2016)

Eis, na ordem do DVD, as 18 músicas de Guelã  ao vivo:

1. Suspiro (Maria Gadú, 2015)
2. Obloco (Maria Gadú e Maycon Ananias, 2015)
3. Ela (Maria Gadú, 2015)
4. Bela flor (Maria Gadú, 2009)
5. Paracuti (Maria Gadú e Luiz Murá, 2010)
6. Escudos (Maria Gadú, 2009)
7. Trovoa (Maurício Pereira, 2007)
8. Altar particular (Maria Gadú, 2009)
9. Lounge (Maria Gadú, 2009)
10. Sakédu (Maria Gadú e Mayra Andrade, 2015)
11. Ne me quitte pas (Jacques Brel, 1959)
12. Vaga (Maria Gadú, 2015)
13. Tecnopapiro (Maria Gadú, 2015) – faixa exclusiva do DVD
14. Axé a capella (Luisa Maita e Dani Black, 2011)
15. Há (Maria Gadú, 2015)
16. Laranja (Maria Gadú, 2009)
17. Aquária (Maria Gadú, 2015)
18. Semi-voz (Maria Gadú, Maycon Ananias e James McCollun, 2015)

fonte g1

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